quinta-feira, 19 de julho de 2012

Interlúdio 7 - a minha escolha (Diário da Mirys)

Como eu vivo dizendo: é mais fácil acreditar (e confiar) quando você já sabe o final da história. É claro que é! Se você sabe que esse caminho VAI DAR CERTO, você vai por ele. Lógico! Mas, o duro de ficar viúva cedo é que você (graças a tudo!) não tem muitos referenciais por perto...e você simplesmente não sabe o que vai dar certo e o que não.

Hoje, olhando pra trás, eu percebo que, desde o começo, eu fiz uma escolha: cuidar das crianças e garantir que elas ficassem bem. Ser mãe tinha sido uma decisão bem consciente pra mim e eu ADORAVA a tarefa. Ser mãe SOZINHA tinha sido imprevisível e indesejado. Mas... aconteceu. E, quando eu dei por mim, assegurar a saúde física e emocional daquelas duas pessoinhas era minha prioridade.

Só que cuidar das comidas, das roupas, das brincadeiras, das tarefas de escola, das viagens pras casas das avós, fazer picnics em casa para integra-los a amigos novos das cidades novas, ler histórias, fazer orações, marcar médicos, levar no dentista, consumia muito do meu tempo. E eu ainda era a única responsável por colocar dinheiro dentro de casa! E ainda tinha a casa e o carro pra cuidar!!! Eu comecei a entender de motor de carro, dos diferentes óleos para diferentes funções; eu aprendi a trocar lâmpadas, furar paredes, montar armários; eu matava baratas como ninguém e lavava o carro às quintas-feiras (pra gente viajar toda-santa-sexta)! Um espetáculo!!! rsrsrs

Mas, no meio disso tudo, não sobrava muito tempo PRA MIM! Pra minha dor, pro meu luto, pras minhas questões, pra sair com amigas, pra passar um baton. Mas, honestamente? Talvez tenha sido melhor assim. Meu tempo estava completamente consumido com coisas importantes e úteis, e não sobravam muitos minutos pra ficar pensando besteiras. As crianças e o mundo delas me preenchiam!

Quando sobrava tempo (ou quando era insuportável demais e eu precisava extravasar), era um tempinho de nada, geralmente no meio da madrugada, quando eu conseguia ficar sozinha. Eu e meus livros, meus filmes, minhas orações, meu blog. Cansei de chorar no meio da madrugada, vendo filmes, escrevendo aqui nesse espaço, tentando ler (confesso que parei de ler MUITO depois do acidente. Não me concentro mais...). Foram várias e várias noites...

Como sempre, o tempo foi passando e a vida ao redor de mim foi se acomodando. Eu parei de me mudar de cidade, as crianças criaram seu círculo de amigos, minhas irmãs se casaram, meus amigos voltaram para a vida normal deles, meus pais e meus sogros retornaram para os cotidianos que tinham antes. E que bom que tudo estava assim, normal, de novo! Só que, pra mim, a vida não tinha nada de normal, nada de conhecida. Eu estava numa cidade nova, com amigos novos, num trabalho novo, frequentando uma igreja nova, numa situação quase nova: a de viúva. Eu não tinha "o meu espaço" em lugar nenhum!!! Eu era velha demais pra circular com as solteiras, eu era jovem demais para fazer parte da trupe das viúvas, eu era avulsa demais para sair com os casais. Em qualquer lugar, eu era um peixe fora d´água...

Nessa ciranda da vida, a minha escolha começou a parecer insuficiente... porque as crianças tinham crescido e estavam seguras, tranquilas, independentes e cada dia precisavam menos de mim. E começou a me sobrar tempo... e faltar companhia... e eu comecei a chorar... toda noite... depois que os dois dormiam...

PS: só pra explicar - uma vez, uns 2 ou 3 meses depois do acidente, eu continuava tentando dar uma vida "normal" às crianças, e nós fomos pro culto. O Guigo sentou do meu lado (a Nina, ainda bem, foi pro colo de uma amiga, do outro lado do templo). E tinha um grupo de fora que ia tocar o louvor. As músicas não eram boas. Os músicos não eram bons (eu sou exigente, eu sei). Mas o baixista ficou bem na minha frente. E o Fernando tocava contra-baixo. E aquele menino, naquela noite, dedilhava o baixo igualzinho ao Fer. E eu fiquei hipnotizada pela mão dele...a saudade ficou incontrolável...e eu comecei a chorar. Baixinho, cantando, mas as lágrimas não paravam de escorrer. E, por uns minutos, eu fiquei lá, absorvida por toda a minha dor, olhando praquele baixista, chorando e cantando, demonstrando publicamente o que eu sofria (como taaaaanta gente tinha me mandado fazer "senão eu iria traumatizar as crianças por elas pensarem que a mãe deles nunca chorava"). Até eu senti um braço no meu rosto. E de novo. E de novo. E, quando olhei pra baixo, o Guigo puxava a manga da blusa dele, cobria a mãozinha, passava a manga no meu rosto, desesperado para enxugar minhas lágrimas, falando: "mãe, não chora. Tá tudo bem. EU estou aqui. Mãe, EU estou aqui." E eu senti que ele estava com um medo horrível de ME perder, também. Não sei como, mas eu parei de chorar, eu sentei e disse pra ele que sim, ele estava ali e eu estava MUITO FELIZ porque ELE estava ali. Porque a Nina estava ali. Que eu estava com saudades do papai, sim, e por isso chorava, mas (respondendo à pergunta dele) que eu não queria ir embora com o papai, que eu queria ficar com eles e que eu era muito muito muito feliz com eles. Eu ganhei um dos melhores abraços da minha vida, naquela noite. Que veio junto de um suspiro de alívio. E, a partir de então, eu não chorei mais na frente deles, a não ser uma lágrima ou outra, algo bem contido, algo que não deixasse dúvidas de que eu estava feliz, apesar de tudo. Pra resolver a minha dor, eu fiz o que devia ter feito sempre: chorei incontrolavelmente, até não ter mais forças pra respirar... DEPOIS que eles já estavam dormindo ou quando eles estavam na casa de outras pessoas. Porque aquela dor, de viúva, de solidão, de incompletude era SÓ minha. E não tinha que ser transferida pra eles. Pelo menos, eu pensei assim...


Cenas do próximo capítulo aqui.

10 comentários:

Tami Fonseca Sousa disse...

Me emocionei com seu relato...

Gisela disse...

Mirys, tenho acompanhado cada interlúdio e confesso que me emociono com eles. Você consegue expressar cada sentimento em cada palavra que escreve.
Que benção são seu filhos!

Beijos

Unknown disse...

A cada post seu eu me emociono mais em ver como você é guerreira, uma mãe exemplar, um exemplo de mulher!
Beijos

Unknown disse...

Mirys esse abraço me fez chorar, eu não tenho idéia da dor que vc sentiu, a gente tenta imaginar, mas nem assim consegue, deve ter sido muito difícil, para vc e para as crianças também, e por isso torço muito para que vocês estejam felizes!!!
Bjos
Ana

carina paccola disse...

Acho que é assim mesmo. Tem dores que são só nossas. Imagino que deve ser muito angustiante para uma criança ver a mãe chorar por algo que ela (criança) não tem como resolver. Acho que nós, mães e pais, temos que segurar a onda dos filhos, e não o contrário. Acompanho o seu blog e fico admirada de ver com quanta sabedoria vc dá prosseguimento à sua vida. Tenho certeza de que essas crianças são muito amadas e estão sendo muito bem cuidadas por você. Seus filhos (e o pai deles, de algum lugar) devem ter muito orgulho de você. Que Deus a abençõe e ilumine sempre!

Anônimo disse...

Myris, estou ansiosa para o restante. Só isso, no momento, que tenha a dizer.

Josilene disse...

Só quem passou por isso, sabe a dor da viuvez. Sei bem o que é, vivi e me vi na mesma situação porém venci e agora sou feliz!

Fernanda Reali disse...

A sensação de inadequação é horrível, te entendo, a senti muitas vezes. A dor da viuvez eu nao sei como é e espero nunca saber. Admiro a tua força e tua dedicaçao com os filhos. Chegou a hora de pensar mais em ti, em fazer pequenos mimos para ti, como pintar as unhas, se dar uma massagem, ir a uma palestra sobre algum assunto diferente (arte, vinho, filosofia), sair da rotina de vez em quando.

A rotina nos dá segurança, por isso eu, e acho que tu também, nos apegamos tanto a ela, mas uma vez ou outra, buscar algo inusitado, pode trazer uma boa surpresa.

Já pensou em transformar estes relatos em um livro?

beijoooo

Claudia disse...

Emocionante seu post... força sempre.. beijos

Anônimo disse...

Oi querida, vim parar aqui por recomendação da Fernanda Reali, chorei ao ler seu texto inteiro. Seus filhos são lindos, parabéns por ser essa mãe forte e sensível, parabéns parabéns parabéns. Beijos =*