domingo, 22 de julho de 2012

Interlúdio 10 - sozinha, no meio de uma multidão (Diário da Mirys)

Sabe quando você está nervoso, sem querer estar, e alguém te fala: “fica calmo” e você fica mais nervoso???? Sabe aquela sensação irritante de impotência??? Aquela vontade louca de controlar o incontrolável, de fazer a pessoa que conversa com você entender o seu ponto, sem que ela queira entender? Então... pra mim, ficar sozinha era isso. Algo que eu estava e não estava, sem querer estar e não estar. Algo que ninguém entendia! Eu explico...

Fisicamente, eu queria estar sozinha. Pelo menos, em algumas horas, eu queria muito estar sozinha! Mas, não estava... Nos primeiros meses (sim, meses!), após o acidente, minha mãe e minha sogra passavam as semanas na minha casa. Só que era uma casa para pai+mãe+2filhinhos. Então, pra dormir, elas dormiam na minha cama, porque era o melhor que eu tinha a oferecer. No espaço do “pai”, que não existia mais (simplesmente, porque todos os outros estavam ocupados e eu queria manter a vida “normal” das crianças). Quando elas não puderam ir, se certificaram de que uma irmã ou uma amiga minha iria. Porque eu “não podia ficar sozinha” (essa era a frase dos bastidores).

Nos finais de semana, quando eu saia da minha “casa”, íamos pra casa de um dos avós. Porque as crianças tinham tios, primos, avós, amigos naquelas cidades. Tinham a programação da igreja. Tinham as festinhas de aniversários. Porque o mundo não parou e eu queria que os meus filhos estivessem nesse mundo que continuava, da forma mais corriqueira que eu conseguisse. Eu também levava as crianças pra perto dos familiares porque eles (familiares) também tinham perdido um filho/genro/cunhado/irmão, também sofriam (eu sempre achei que a minha dor não me dava carta branca pra desrespeitar ou minimizar a dor dos outros), eles queria, pediam e precisavam das crianças por perto para “pensar em outras coisas”, pra se alegrar, pra ver que a vida continuava. E as crianças SEMPRE alegraram!

Mas, no meu “brilhante” plano, quando o final de semana chegasse, eu poderia deixar as crianças com os avós ou tios e ficar um pouco só comigo mesma. Ir no cinema, passear em qualquer lugar, andar a esmo por aí, basicamente “sumir do mundo” e chorar um pouco. Viver meu luto, que eu não vivia, durante a semana. Só que, de novo, entrava todo mundo em campo com a missão de me salvar de mim mesma e da minha solidão. “Você vai no cinema? Vou junto! Queria meeeeesmo ver esse filme cult que eu não vou entender nada!” “Você vai comprar material escolar pras crianças? Bárbaro! Eu queria mesmo ver umas coisinhas, também” (detalhe, a pessoa não tem filhos, nem estuda!) “Você vai na depilação? Vou junto e a gente aproveita e bate um papinho!” Não adiantava eu falar que não precisava, que tudo bem eu ir sozinha, que eu só ia dar uma volta. Alguém SEMPRE ia junto. Talvez não parecesse tanto assim ou tão sufocante pros outros (até porque eles eram muitos pra se dividir nessa tarefa e sempre tinha alguém que não estava comigo), mas eu confidencio a vocês que isso acontecia em 100% do meu tempo!

PS: isso ficou ainda mais claro pra mim, quando uma outra pessoa, também viúva, estava na casa dos meus pais e, depois de alguns dias vendo o que acontecia, ela brincou comigo: “pelo menos, quando você vai tomar banho, você consegue ir sozinha? Chore por lá!”

E foi assim até que, um dia, do nada, eu me atrevi a falar “não”. “Não, você não vai comigo. Não precisa e eu não quero.” “Mas, Mirys... tuuuuudo que eu tinha planejado pra minha tarde era mesmo refazer as unhas do pé que eu fiz ontem” “Então, faça suas unhas do pé porque EU não vou na pedicure. Eu vou ao cemitério.” “Quer companhia?....” “Não.” Pronto, eu tinha descoberto minha palavra mágica: cemitério. Então, quando eu queria respirar, quando eu achava que o assédio era demais pra mim, eu dizia “posso deixar as crianças aqui um minutinho, que eu preciso sair...” “você vai lá?” “vou. Vou no cemitério.” E saia. Milagrosamente sozinha! Mas, como eu não sou de mentir, eu acabava mesmo indo até o cemitério (e foi assim que eu comecei a visitar “o lugar dele”, uns 9 ou 10 meses depois do acidente).

Fisicamente, foi assim. Eu só estava sozinha, quando estava no cemitério. Fora isso, tinha sempre alguém por perto, “só por garantia”.

Emocionalmente, era outra estória... Emocionalmente, eu estava completa e totalmente sozinha! E como eu ainda me sentia casada, mesmo anos depois de ter ficado viúva, eu mesma “me proibia” de ter outra pessoa e me sentenciava a continuar sozinha. E é um vazio muito grande esse...

Exatamente aí, a confusão se formava. Toda vez que eu recebia um convite pra algo que não estava a fim, tipo ir no casamento do amigo do cunhado do primo do marido de uma amiga/irmã, onde todo mundo ia de casal, eu dizia: “não obrigada, eu não vou. Lá todos vão estar acompanhados e eu estou sozinha....”. E em todas as vezes eu recebia uma resposta do tipo “você não está sozinha. A gente vai estar lá.” Como se estar cercada de gente (conhecida ou não) fosse diminuir a realidade da minha solidão. Como se eu não pudesse me sentir sozinha só porque tinha uma multidão ao meu redor. Estar acompanhada (e não sozinha) fisicamente é diferente de se sentir sozinha emocionalmente. Qual é a grande dificuldade em entender isso?...

Cenas do próximo capítulo aqui.

6 comentários:

Tami Fonseca Sousa disse...

Vejo que seus familiares e amigos foram muito presentes em sua vida e ás vezes o que você precisava era está sozinha...Foi um excesso de zelo por parte deles...

Claudia disse...

Mirys, eu te entendo perfeitamente. Vivi tudo isso que vc escreveu, talvez nem tanto porque eu dizia para minha família que eu queria ficar sozinha. Voltei para meu apartamento duas semanas depois do acidente e sozinha, não queria ninguém comigo. E também não gosto de convites para ir em lugares que vai estar cheio de casal, não gosto e pronto, e não escondo isso. E na minha opinião as pessoas tem que entender, pois é um vazio que não tem como medir. Beijos.

Bina disse...

Me senti "sufocada" só de ler...vc nos faz entrar de cabeça na sua história, meu Deussss!!!
Bjs, amiga!!!

Nana disse...

Comentário básico....primeira vez que vou a um a festa de cas******* acompanhada e nao vou precisar ouvir essa historia de "vamos estar lá com vcs"...porque mesmo sem ser viuva, eu ja ouvi muito isso por ser a mais velha da turma q nao tinha namorado...kkkkk...

lili disse...

A solidão, muitas vezes, é curativa

Rafaella disse...

Querida...
Você ainda demorou para dizer não viu rs...
Eu não teria aguentado, ficar só é uma necessidade muitas vezes...
Nada facil!!!
Bjs