sexta-feira, 20 de julho de 2012

Interlúdio 8 - a viúva e a plaquinha de neon

Ser viúva é andar com uma plaquinha pendurada no pescoço, com letras luminosas em neon rosa, setinhas apontando pra você, e uma sirene acoplada. Funcionando! A todo vapor! Ser viúva numa cidade razoavelmente pequena é tudo isso... em cima de um carro alegórico, com um locutor beeeem estridente dizendo “pamonhas, pamonhas, pamonhas, pamonhas de Piracicaba” “viúva, viúva, viúva, viúva de Jaú”!

Se você acha que estou exagerando e que não era bem assim, meu amigo, deixa eu te contar: você só pensa desse jeito porque você não estava do lado de cá! Do lado de cá, a coisa é bem mais complexa e desagradável... Eu cheguei a ser apontada no shopping, gente que eu não conhecia veio se apresentar pra mim (“você que é aquela moça que o marido morreu naquele acidente?”), comentavam sobre mim nas rodas de amigos das minhas amigas... Exagero meu? Imagina... Eu também pensava assim, que eu não era tãããão importante... Até que um moço, que eu nunca tinha visto antes, se apresentou pra mim, numa fila de um restaurante. “Você que era mulher daquele cara do acidente enorme da estrada, há um mês atrás?” “Sim, sou...” (eu já tenho os olhos puxados pra baixo, então eu já tenho cara de cachorrinho abandonado que caiu do caminhão de mudança... imaginem a minha cara, NA HORA... eu estava preparada para mais um pouco de solidariedade do tipo “tadinha...”) “Vou te contar, viu? Cara estúpido! Não tinha nada que querer ir ajudar os outros! Se tivesse ficado no carro dele e continuado a viagem, agora ele estaria com a família dele. Quanta idiotice...”

Mas o que me deixava mais inconformada, mesmo, era a famosa frase: “tadinha, tão bonita, tão inteligente, tão novinha, não merecia ficar viúva...” Por que???? Quem é feia, burra e/ou mais velha merece????? Ser viúva, agora, é questão de “merecimento”??? Perdi a conta de quantas e quantas vezes eu ouvi essa mesmíssima frase... E eu nem tinha uma resposta pra ela....

Até que um dia, a minha filha, no auge dos seus 4 anos, me perguntou “o que era viúva” (quando mais uma pessoa veio me falar a frase acima). Eu expliquei que era quem era casado, mas que o marido ou a mulher tinha morrido. “Ah... tipo você?” “Isso filha, tipo eu.” Só que a Nina estava naquela fase de começar a ler e escrever e achava o má-xi-mo palavras novas!!!! Então, eu comecei a ser apresentada assim, pros amigos novos dela: “Essa é a minha mãe Miriane. Ela é viúva, sabia?” E lá ia eu sorrir e explicar pra mais uma criança o que era ser viúva!... Mas, não pensem vocês que a Nina se incomodava com isso, não. Pra ela era só uma palavra nova... de novo, o problema (quando ele existia) era meu, não dela... E eu queria que fosse assim, que eles lidassem com tudo da forma mais “natural” possível...

Como nós acabamos nos mudando de casa algumas vezes, depois do acidente, era comum eu ser “anunciada” nos lugares novos como “essa é a Miriane / mãe do Guilherme / mãe da Helena, e ela é viúva. Acredita?”. Lógico que tudo acontecia ANTES de eu chegar (um ano ou dois, depois, alguém que participou do anuncia sempre te conta!). Então, eu chegava, todo mundo sorria, eu sorria e seguia com a vida. Mas eu SABIA que, quando me virava pra ir, muita gente comentava sobre a situação (e eu confirmei, depois, quase todos os cochichos que eu jurava que ouvia). E, invariavelmente, uns meses depois, alguém vinha comentar comigo... “quando me contaram que VOCÊ era A viúva, eu quase não acreditei... você parece tão alegre...”.

Até que chegou um dia, em que eu me revoltei e cansei de usar a tal placa com as letras em neon! Já ia fazer 2 anos e eu resolvi jogar aquela placa fora, arremessa-la de um precipício, fazer uma fogueirinha com ela e dançar ao redor!!!! Mas acabei trocando por outra.... (mais engraçada, pelo menos ;) )


Cenas do próximo capítulo aqui

6 comentários:

Alice Mânica disse...

Mirys, só uma perguntinha curiosa: como você reagiu ao que o rapaz do restaurante falou???

Eu, do lado de cá, tenho que confessar que também estava esperando o "tadinha" e quando li a frase dele dei uma gargalhada. Sei que pode parecer insensível, mas eu acho que foi inesperado demais! Imagina, não é o tipo de coisa que se pensa em dizer pra uma pessoa que perdeu um ente querido de forma tão trágica (e porque ele realmente acreditava em ajudar os outros, segundo vc conta), então fico pensando como ficou a sua cara depois desse comentário...

Tami Fonseca Sousa disse...

Qual é a outra....rsrsrsrs....brincadeirinha.
Bjs

Adelaide Araçai disse...

Eu acompanhei uma situação similar, por estar próxima, minha irmã ficou viuva aos 37 anos e sem filhos, após 6meses sendo viuva - decidimos adotarmos o estado civil - "solteira"...assim ela apos descer até o fundo do poço por 2 ano inteiros... trabalhava, chegava em casa tomava um banho e ficava no quarto vendo tv, final de semana só saia do quarto para comer e voltava.... Mas ao ressurgir das cinzas passou a ser a solteira, no sentido máximo da palavra, viveu mais do que antes de ter conhecido meu primeiro cunhado, até que após 8 anos ela conheceu o segundo marido, que foi um tormento...ele queria casa e ela não queria, pois tinha medo de ficar viuva....kkk Hoje vivem junto, pois ela insiste em não casar...acho que ela pensa que assim ele ficará imortal.

Muita luz e Paz
Abraços

Anônimo disse...

Faltam 4 dias pra outra paquinha mas essa vai ter reflexo piscante! aMIGa

Claudia disse...

Eu bem sei disso... falei sobre isso hoje com a psicóloga, que a minha identificação passou de Claudia, para viúva... é bem assim mesmo, para quem acha que é exagero é porque não sentiu na pele, mas vc vira e as pessoas comentam, vc passa as pessoas falam... é exatamente assim, sou testemunha. Beijos.

Rafaella disse...

Mi.. So você mesmo para contar essa situação de uma forma engraçada rs...
Não é facil ne amiga??? Deus faz as coisas com quem sabe aguentar!!!
Você é forte mulher!!!
Não é nada facil, e ver vc enfrentando cada dia da muito orgulho de vc!!!
Parabéns ;)
Bjs